Entrevista com
CEO do Portal do Envelhecimento
8 de Março de 2019
Idoso, maduro, experiente, sênior... Por que não pronunciar a palavra velho? Para Beltrina Côrte, docente da PUC-SP e CEO do Portal do Envelhecimento e do Espaço Longeviver, muitas pessoas preferem usar eufemismos para suavizar a etapa da velhice, aquela que está mais próxima da nossa finitude. "Velho ou velha é a palavra que define quem vive a etapa da velhice, assim como criança define quem está na infância; jovem quem está na juventude; simples assim", aponta.
O Portal do Envelhecimento foi criado em 2004. O que mudou no envelhecimento do brasileiro de lá para cá? A principal mudança é que aumentou a expectativa de vida e, consequentemente o número de velhxs nas ruas, nas filas de bancos, supermercados, aeroportos, praças. Se antes eram invisíveis, hoje não mais. São também mais "palatáveis". O mercado passou a olhar para eles mais recentemente, embora as pesquisas de mercado ainda fixam os 55 como sua maior faixa etária, em sua grande maioria. Passaram, muitos idosxs, a reivindicarem seus direitos, organizaram-se em conselhos, tornaram-se assim um grupo que caminha para uma maior politização, embora os que estejam na casa dos 70 carreguem as circunstâncias que os fizeram cidadãos. A geração que está chegando aos 60 chega com outra vibe, sabedora mais de seus direitos e deveres. Costumo dizer para meus alunxs da PUC-SP e do Espaço Longeviver, que são profissionais de diversas áreas, que eles precisam se preparar, pois os velhxs que estão chegando são mais exigentes, não vão se contentar com qualquer resposta nem que os infantilizem. Acredito que o envelhecimento está mais na boca do povo, que há muito mais políticas dirigidas ao segmento, especialmente em São Paulo, embora a negação dele continua sendo a mesma, seja pela mídia, pelo mercado em geral e pelo poder público, basta ver as novas nomenclaturas que surgiram nos últimos anos: mercado prateado, revolução prateada, poder grisalho, geração madura, gerontolescência... Enfim, o que não mudou foi o preconceito, inclusive do próprio velhx em relação à idade dele mesmo. Ante cientistas e todo um corpo de pesquisadores na área biomédica eu repito: um dos maiores desafios em relação ao envelhecimento continua sendo o preconceito que se tem contra o próprio envelhecer. A frase tão comum e tão repetida nas diversas mídias e de nossas bocas é: "sou um velho de espírito jovem", representa muito bem o que estou falando.
Qual é a linha editorial do Portal do Envelhecimento? Ante a longevidade avançada e de uma sociedade de descarte, todas as nossas ações pedagógicas - de docência, pesquisa e divulgação - são pautadas visando informação e formação em gerontologia social, perspectiva que considera os indivíduos em integridade e direitos. Entendemos que 1) a velhice não tem como único destino a doença, como é pregado pela gerontologia tradicional, os discursos biomédicos, muitas mídias e órgãos públicos; 2) que os velhos não são problema, mas têm problemas e que cabe a nós os solucionarmos; e 3) que envelhecer de forma saudável não é uma escolha individual, mas resultado do contexto socioeconômico e cultural de cada país. A partir desta concepção, desde o início de nossas ações em 2004 (oficialmente) visamos construir uma rede de solidariedade entre diferentes segmentos sociais, além de pensar nova concepção sobre a velhice, em sua complexidade e múltiplas dimensões, tendo como missão: "Transferir informações qualificadas sobre a velhice e o envelhecimento possibilitando o acesso democrático ao conhecimento sobre esta instigante fase da vida por meio de conteúdos com credibilidade; oferecer acesso livre e imediato ao seu conteúdo; disponibilizar, gratuitamente, o conhecimento sobre o envelhecimento ao público amplo; proporcionar, além de democratizar e consolidar a cultura da longevidade".
Que palavra você considera mais adequada para se referir às pessoas com mais de 60 anos: idoso ou velho? No final do ano passado escrevi um artigo para a revistamais60 do SESC justamente sobre esta temática. O artigo, chamado Com que roupa eu vou envelhecer? , percorre as terminologias que designam as pessoas acima de 60 anos. O mais usado e aceito pela maioria da população é o termo ‘terceira idade’. Mas há grande parte de cidadãos acima de 60, especialmente os do mundo corporativo, que prefere usar economia prateada, maduros, e por aí vai. A palavra "adequada" é individual, pois não existe uma nomenclatura que se possa dizer correta, cada qual se sentirá mais confortável ante seu longeviver com uma ou outra. Mas é importante saber que as diversas terminologias, no entanto, são eufemismos, ou seja, palavras mais agradáveis para suavizar a etapa da velhice, aquela que está mais próxima da nossa finitude e que continua sendo negada. Nos documentos públicos o termo mais utilizado tem sido pessoa idosa, que seria o termo politicamente correto. Eu, pessoalmente, não tenho problema algum com as palavras velho ou velha, pois é a que define quem vive a etapa da velhice, assim como criança define quem está na infância; jovem quem está na juventude; e velho quem está na velhice, simples assim.
Como os meios de comunicação retratam o idoso? Apesar de fazer muitas críticas aos meios de comunicação, e ser jornalista de formação e estar à frente do Portal, sou uma das mais otimistas em relação ao seu papel na sociedade. São, como a família, a escola e a religião, instituições que criam nossos imaginários em relação ao nosso longeviver. A mídia de maneira geral saiu de uma representação de velho totalmente dependente, acamado, inativo, ranzinza..., para uma imagem oposta, do velho sarado, que pula paraquedas aos 100, que surfa aos 90..., deixando de fora as velhices cotidianas que estão em nossas famílias, nas ruas, nos bairros e por onde circulamos rotineiramente. Essas imagens super super positivistas de velhos saradões, cheirosos, bonitos, ricos, viajantes permitem a outras gerações desejarem envelhecer, o que é positivo, mas peca feiamente por não representar as velhices do dia-a-dia, negando as outras muitas possibilidades de se longeviver, muitas vezes em situações de fragilidades, algumas extremas e sem acesso aos serviços.
E como eles poderiam ajudar a combater o preconceito de idade? As mídias têm um grande papel: elas podem reproduzir uma cultura de preconceitos em relação à vivência dessa etapa da vida ao reforçar somente a imagem dos saradões (uma forma de negar as "velhices reais") ou produzir uma cultura cujas velhices sejam possíveis, reais, e no centro das reportagens não esteja a doença, mas os sujeitos que habitam aqueles corpos frágeis, com desejos e sentidos de vida. Os meios de comunicação pecam ainda porque deixam de cumprir sua função social, contextual, para tornarem-se apenas factuais. Assim no mês de outubro, quando se comemora o mês da pessoa idosa, há uma enxurrada de notícias falando a respeito e por aí vai... Queria aqui também pontuar que a mídia muitas vezes é espelho da sociedade e em outras é a sociedade que se espelha nela. Nesse sentido, o "horror" que nós velhxs temos da nossa velhice é uma das maiores violências que cometemos contra o maior feito de nossa civilização: o aumento da expectativa de vida. A mídia teria um papel importante aí, o de ajudar a construir o orgulho de ser velhx. É isso que tentamos desde 2004 no Portal do Envelhecimento, mas sabe o que nossos amigos publicitários dizem? Mudem o nome do site. Pois é, nossos colegas jornalistas e publicitários, em sua grande maioria, com esse pensamento bem representativo, acabam perpetuando o horror à existência da vida mais avançada, uma grande pena, pois todos chegaremos lá, uns melhores e outros piores, se não morrermos antes.
A internet está ajudando a integrar os idosos na sociedade? Há dois anos um aluno meu da PUCSP fez sua pesquisa de mestrado justamente com essa questão. Ele entrevistou cerca de 60 pessoas idosas a respeito e concluiu que metade de seus sujeitos diziam que a internet ajudava a conectar com outras pessoas e outra metade dizia justamente o contrário, que as distanciava umas das outras. Esta é uma questão que tem a ver com outra: como estamos construindo nossa solidão? Amigos meus pesquisadores mexicanos fizeram uma outra grande pesquisa com idosos que moravam sós e com outros que moravam com filhos a respeito de sua integração social e solidão. A conclusão foi quase a mesma de meu aluno: muitos que viviam com filhos estavam mais sós do que muitos que eram sozinhos. O que quero dizer é que a Internet, assim como a família, pode ajudar a integrar os idosos à sociedade ou não. A pessoa idosa pode estar conectada e se sentir a pessoa mais só do mundo. E outra não conectada pela internet pode estar muito bem inserida socialmente, vinculada a grupos sociais, fortalecendo vínculos comunitários. O que quero dizer é que somos humanos e precisamos uns dos outros, afinal não somos uma ilha. A tecnologia pode muito bem fortalecer as relações, integrando-nos cada vez mais à sociedade digital, ou pode nos manter conectados mas isolando-nos dos contatos presenciais, do toque, com outros humanos. Acompanho alguns estudos de Sherry Turkle desde meu doutorado, lá pelo início de 90, em que ela vem refletindo sobre esta questão. Há poucos anos ela realizou um TED dizendo justamente isso, que mesmo integrados estamos nos tornando cada vez mais isolados e sós. É para se pensar!
Quais são os maiores desafios do envelhecimento no Brasil hoje? Nós envelhecemos em um país muito desigual, sem infraestrutura na maior parte do país, sem acesso a muitos serviços de educação, saúde e cultura, principalmente. Em São Paulo, por exemplo, temos regiões onde a expectativa de vida chega a quase 80 anos (Lapa, Pinheiros) e em outras a idade média de 55 anos de vida, como Parelheiros. Assim, dependendo do lugar onde se nasce na mesma cidade há uma sobrevida de mais de 20 anos do que em outras. O fosso é muito grande. Esse, acredito, continua sendo um dos maiores desafios para se viver e envelhecer que o país tem, e tudo indica que essa situação não se alterará para as próximas gerações quando temos o congelamento dos gastos sociais. Pelo contrário, as condições que aí estão dadas só tendem a se agravar... Temo, e muito, pelas velhices futuras de nossxs filhxs. O outro desafio, que já comentei anteriormente, é combater o preconceito que se tem à velhice, a começar pelos próprios velhxs que negam suas velhices e a mídia de maneira geral tem um papel social preponderante nisso!
Qual a sua opinião sobre as políticas existentes para o envelhecimento? Temos ótimas leis que não são cumpridas, uma delas fala da educação sobre o envelhecimento que deveria estar presente em todas as instâncias escolares mas que infelizmente não. Nas diretrizes curriculares nacionais de cursos superiores há temas transversais que são obrigatórios, mas até hoje não tivemos lobby que conseguisse emplacar uma Portaria inserindo o envelhecimento como tema a ser abordado, como o é a questão ambiental, as questões étnicas-raciais, educação em direitos humanos e mais recentemente proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista. Em 2013 o SESC reuniu alguns profissionais especialistas em envelhecimento do país em Bertioga (SP) e desse encontro elaboramos uma espécie de minuta a esse respeito. Foi levado a Brasília mas nada aconteceu. E é assim, a gente faz, faz, faz, e nada acontece e os desafios só vão aumentando com o crescimento cada vez maior de pessoas acima de 60 e cortes sociais. Manter a dignidade humana é um desafio enorme!
O crescimento do movimento feminista está tendo algum impacto para mulheres velhas? No Brasil há pouquíssimos estudos feministas em relação ao envelhecimento. São poucas pesquisadoras que se dedicam ao tema, diferente da Espanha em que há bons estudos a respeito já a algum tempo. Mas posso dizer que o movimento dos coletivos feministas de estudantes secundaristas que vem surgindo há algum tempo vem demonstrando algo que xs velhxs poderiam seguir: elas mostraram ao país ter orgulho de serem mulheres, o que nós velhxs não temos ainda, pelo contrário. Mas de certo modo os diversos coletivos feministas e as muitas manifestações que tivemos, fortaleceram o "poder" de muitas mulheres que estão chegando nas suas velhices, fazendo com que elas assumissem suas idades, deixando seus cabelos brancos vindo à tona, por exemplo, o que já é um grande avanço. Estão sendo mais elas e pouco se importando com o falatório alheio. Estão sendo mais protagonistas delas mesmo e assumindo seu lugar de fala.
Entrevista com
Obstetriz
A prática que ganha cada dia mais adeptos ainda é cercada por dúvidas. Entrevistamos uma obstetriz para entender um pouco mais sobre
25 de Julho de 2022
Estima-se que sejam realizados 40 mil partos domiciliares por ano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem o parto humanizado como um elemento importante para a promoção da saúde, pois contribuem para a redução da mortalidade materna e neonatal, da violência obstétrica e das altas taxas de cesariana brasileiras desnecessárias.
Outra vantagem do parto humanizado é que ele custa menos aos cofres públicos, por exemplo, e por isso é prática cada dia mais comum no Sistema Único de Saúde, o SUS. Mas afinal, o que é o parto humanizado? Entrevistamos Isabele Ruivo, obstetriz formada pela USP e sócia da Mamatoto Partos Saudáveis, uma empresa que presta assistência às parturientes antes, durante e depois do parto. Confira a seguir!
Como entrou para esse ramo, por que escolheu ele?
Eu sempre me identifiquei muito com a área da saúde, na época do vestibular eu cheguei a prestar medicina e tudo mais, passei em algumas universidades, mas na USP eu prestei só obstetrícia porque era um curso que tinha esse viés político e social que me atraía muito. Ele tem uma carga muito grande de humanas, disciplinas voltadas para o feminismo. Além disso, eu tive também uma bisavó que era parteira lá no Maranhão, dessas bem tradicionais, então cresci ouvindo as histórias dela. Foi muito encantador unir duas coisas: o protagonismo feminino, de um lugar onde a mulher é o centro daquele evento que é parto, mas ao mesmo tempo, unir também a formação científica, baseada em evidências no que há de mais recente, pra gente saber identificar riscos, saber quando essa mulher precisa de intervenção e de um outro tipo de assistência, até a própria cesária. Tive a certeza de era o lugar certo que eu tinha escolhido quando engravidei da minha família e vivi a experiência do parto humanizado.
Qual é a diferença entre doula, enfermeira, obstetriz e médica?
A doula é uma profissional que já tem uma graduação técnica, de ensino superior, e que pode ser em outra área completamente diferente. Conheço doulas que são advogadas, jornalistas, arquitetas, mas fizeram um curso para serem acompanhantes de parto. Ela não tem uma formação que dê responsabilidade para atender o parto. Então a doula é uma acompanhante de parto profissional, ela vai ser aquela mulher que vai acolher a gestante, ajudar com métodos não farmacológicos para alívio da dor, mas ela não tem nenhuma responsabilidade do ponto de vista técnico. A enfermeira tem uma formação um pouco mais tradicional, acadêmica, em que ela faz enfermagem e depois se especializa em uma residência em enfermagem obstétrica. Ela tem a capacitação muito equivalente à da obstetriz, que é uma profissional que tem um curso de entrada direta, com duração de 5 anos e integral. Nossa capacitação é para atender parto em risco habitual, pré-natal, pós-parto, saúde da mulher, trabalhar no posto de saúde colhendo papanicolau e etc. A médica é uma profissional que envolve mais complexidade, que demandam intervenção maior como uma cesárea, uma gestação em que a mulher tem hipertensão, diabetes.
E como se dá essa divisão de papéis?
Aqui no Brasil a forma que a gente encontrou de trabalharmos juntas, em equipe, dentro de hospitais privados, é sempre ter uma parteira (enfermeira ou obstetriz) e uma obstetra (médica) para cobrir tudo. Em outros países, a obstetriz e a enfermeira são profissionais que vão atender o parto e aí só se tiver alguma intercorrência ou necessidade é que a obstetra é acionada, ela não é uma profissional que está sempre ali no parto. É possível no SUS fazer o parto somente com parteiras, e dentro do parto domiciliar também, onde a gente tem a assistência em geral por obstetrizes e enfermeiras sem a necessidade de ter um médico - porque a princípio são partos de risco habitual, ou seja, baixo risco. Dentro do sistema privado de saúde tem toda uma burocracia com a ANS porque eles entendem como um procedimento médico pelos convênios, então é o médico que vai assinar. A mulher, por exemplo, só vai ter reembolso se tiver um médico.
O que configura um parto humanizado? Há diretrizes específicas para essa definição?
O parto humanizado é um conceito e não um tipo de parto. A gente tem tipos de parto: cesárea (instrumental), parto vaginal (pode ter indução, oxitocina, farmacológicos envolvidos) e natural (sem nenhum procedimento, incluindo analgesia). O parto humanizado é um conceito que envolve alguns pilares, mas o principal é a autonomia e o protagonismo da mulher para escolha, com base em evidências científicas. A gente vai oferecer as informações necessárias para essa mulher tomar a decisão do tipo de parto que ela quer e dos procedimentos a sua escolha. É uma experiência onde a mulher está como protagonista, não tem um roteiro, todos os recursos para que ela lide com a dor, para que ela decida pelo parto dela em termos de analgesia ou não, ter uma doula ou não, escolher esse tipo de parto, todas essas escolhas são da mulher, orientadas pela equipe. A não ser, óbvio, em que a gente tenha uma situação de risco onde a gente vai precisar comunicar, agir e intervir, e aí a mulher não pode muitas vezes tomar uma decisão.
Onde e como encontrar um atendimento mais humanizado?
Isso é uma das partes difíceis. A informação é o principal caminho para saber inclusive identificar se aquela equipe é de fato humanizada ou se eles estão mascarando e perfumando algumas condutas que são desumanizadas, mas estão disfarçadas. Ela precisa fazer algumas perguntas, ter apoio de sua família durante o pré-natal, entender se aquele profissional está atualizado, entender qual a taxa de cesárea, qual é a prática, se permite doula, como que trabalha em equipe, etc. Ter uma doula é um bom caminho, ela é uma grande aliada porque em geral ela não trabalha com a equipe, ela trabalha para a mulher, então ela vai poder tirar as dúvidas, indicar casas de parto, identificar condutas. Se for um parto em hospital, qual hospital o plano de saúde cobre, qual médico atende em tal hospital. A doula ajuda a formar até a própria equipe de parto. Existem equipes que oferecem rodas de conversa e gestantes que vão se formando. Ainda é difícil de acessar o profissional humanizado porque não são pessoas que estão dentro de plantão, é muito difícil, você até encontra, mas é difícil encontrar um médico ou obstetriz que ofereça esse tipo de parto dentro de um hospital privado dando plantão. Até no SUS envolve sorte também cair no plantão com uma pessoa que esteja alinhada com isso.
Como vocês fazem na Mamatoto?
Na minha equipe a gente tem uma obstetra da equipe, a mulher vai contratar essa equipe e que o plano cobre é a estrutura hospitalar, mas a equipe é privada. Então grande parte da assistência humanizada dentro dos hospitais humanizados é contrato público/privado. A nossa assistência, nós somos duas obstetrizes, a gente seguiu pra assistência seja em público ou equipes autônomas. E a gente começou a trabalhar juntas no parto em casa, mas mesmo em casos de parto domiciliar, a gente sempre tem uma retaguarda médica. Por exemplo, só fazemos o parto domiciliar se estiver a meia hora de um hospital, possível de ter uma assistência de maternidade.
O pré-natal pode ser feito por obstetriz?
Ele pode ser feito por uma obstetriz, mas a gente sempre intercala com uma médica, porque só o profissional de medicina tem autorização pra fazer o pedido de exame. Então a obstetriz faz exame físico, interpreta laudos, mas não consegue fazer pedido para exames clínicos. No SUS elas conseguem dentro das UBS fazer esses exames, mas no sistema privado não. Mas toda obstetriz e enfermeira têm capacitação para atender pré-natal.
Você acha que vem crescendo a aceitação em torno desse tema?
Com certeza vem crescendo, porque eu acho que as pessoas têm mais acesso a informação, tem algumas questões que fazem o modelo crescer. A gente tem um modelo de assistência de saúde obstétrica muito precário, o Brasil é um país que tem maior taxa de cesárea no mundo, é um parto com muita intervenção e até muita violência. As mulheres estão se informando cada vez mais, que existem outros modelos de parto mais respeitosos e prazerosos. E essa informação parte de dentro de um movimento de mulheres que compartilham, que começou como um braço do movimento de gênero, porque a violência obstétrica e institucional é uma violência de gênero também. Então começou como um movimento de ativismo e começou a se expandir. Acredito que as redes sociais têm seu papel também, porque têm sido cada vez mais falado por lá. E também dentro da academia tem sido cada vez mais estudado partos com menos intervenção possível, só com necessidade, modelo e assistência com foco central da mulher.
Mas o que fala mais forte nesse crescimento?
As duas coisas caminham juntas: a reivindicação por uma experiência de parto melhor, esse rito de passagem para maternidade, e um movimento de estudo acadêmico que tem falado cada vez mais nos benefícios desse modelo de parto. A gente também tem esse modelo de assistência focado no dinheiro. Estamos passando por um processo de sucateamento muito forte no SUS, vivemos um momento bem difícil da saúde da mulher no país, de levar essa pauta como algo importante, e ao mesmo tempo a gente tem essa precarização do SUS justamente para que seja melhor e mais conveniente para empresários e convênios lucrarem, até pra startups de saúde com modelos que em teoria é um pouco mais barato pra população. Acaba sendo um privilégio da classe de acesso à saúde. Essa é uma aflição muito grande dentro da saúde do Brasil como um todo, mas na assistência obstétrica mais ainda, porque a gente tem esse lugar em que um parto normal não é custoso, é um procedimento extremamente barato, se for um parto assistido por enfermeiras e obstetrizes custa mais barato ainda, e dentro desse modelo que a gente precisa que a saúde gere lucro, o melhor é a cesárea.
E o que acha que ainda precisa mudar?
Mudança de mentalidade das entidades maiores. Quando a gente olha para outros países, não existe essa opção de fazer cesárea pras mulheres, é algo que tem que ser indicada. Se você fala que a mulher escolheu cesárea, elas nem conseguem entender direito, porque não é muito uma escolha lá fora. Então é preciso educar que o parto natural é mais sustentável, é mais natural, é melhor pra saúde da mulher, do bebe, pra família e sociedade. Aí num nível de ter protocolos mesmo, um órgão que cobre, os conselhos, tanto o CRM quanto o Coren deveriam ter as diretrizes e investigar se os profissionais estão seguindo. Precisa mudar dentro dos conselhos de classes, diretrizes, regras e leis no âmbito estadual e nacional, que aí as coisas vão começar a melhorar. E tem um papel importante da graduação na saúde, desses cursos que não podem ser voltados para lucro, mas para evidência científica. Muitos profissionais até aprendem a evidência mas na prática fazem outras coisas. É preciso ainda uma cobrança para que se siga as orientações de forma mais forte, a gente não vê profissionais sendo advertidos por práticas violentas ou negligentes. E também é importante não só reduzir a taxa de cesárea, porque não adianta nada dar condições muito ruins pros profissionais da saúde, sofrendo de burnout, depressão, mal remuneração, porque isso vai aumentar o número de partos violentos, aquele profissional vai precisar acelerar, ganhar mais, partos com maior intervenção.
Mensagem final?
Eu acho que uma das coisas que é muito legal de pensar em educar é abrir um pouco a mão desse modelo centrado na figura médica, a gente sabe que tem muito estudo que a assistência por equipe multidisciplinar melhora muito a qualidade da assistência e do paciente, e entender que tem profissionais extremamente capacitados para atender parto e chegar nesses outros profissionais também, tirar o modelo centrado na figura médica. Porque é um profissional que dificilmente vai centrar a assistência e o olhar pra mulher, pro indivíduo.
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