Aos 93 anos, sendo 75 somente de carreira, a atriz não pensa em parar e nem gosta de ser chamada de "senhora"
11 de Setembro de 2020
Laurinda de Jesus Cardoso Balleroni, mais conhecida por seu nome artístico, Laura Cardoso, completa 93 anos esse mês. Há 77 anos exercendo a carreira de atriz, ela também já foi dubladora e é hoje uma das atrizes mais premiadas e com maior tempo de carreira no país.
Talvez pelo tempo tão extenso atuando, ela coleciona recordes e centenas de participações em telenovelas na televisão: foram mais de 100 trabalhos ao longo dos anos, sendo 60 somente em novelas! Prêmios, aliás, são com ela mesmo: das 56 indicações que recebeu, levou 39 delas.
Com tantos feitos em seu nome, talvez fosse hora de parar, descansar e colher os louros de suas vitórias, certo? Não para Laura, que não só ainda está na ativa como nem pensa em parar. Em entrevista ao jornal O Globo , a atriz diz nem mesmo gostar de ser chamada de ‘senhora’ ou ‘dona’. “Para não me sentir velha”, comenta.
O olhar sem saudosismos ou nostalgia de Laura Cardoso talvez seja o segredo de sua vitalidade, afinal, ela está sempre atenta ao futuro e aos próximos projetos - como a própria comenta. O amor pelo ofício pode ser outro fator benéfico que a fez chegar tão longe e com tanta qualidade.
Sua autoestima é também de se invejar. Das atrizes de sua geração, Laura foi das pouquíssimas que nunca se submeteu a nenhum procedimento estético. Na mesma entrevista citada anteriormente, a atriz revela que sempre se gostou da forma como é, e que prefere ser considerada inteligente do que bonita. “Meu rosto reflete a minha vida, a minha alma, o que amei, o que sofri... Eu me gosto assim” diz.
Laura conta não ter nenhum cuidado específico com a sua saúde, mas herdeira de uma genética equilibrada e bons hábitos como andar bastante e não ingerir bebidas alcoólicas. Para ela, trabalhar e se preencher com projetos é também se manter vivo. Ainda que revele não temer a morte, acredita que estar sem fazer nada é já iniciar esse processo de partida, e por isso se mantém sempre tão ativa. “Eu ainda sinto frio na barriga antes de cada personagem” se diverte a atriz.
O Plenae Apresenta a história da empreendedora Adriana Barbosa, participante da nona temporada do Podcast Plenae!
12 de Setembro de 2022
Por trás de sua história, há ainda a história dos que vieram antes de você. Pavimentaram caminhos para que hoje você possa caminhar. Esse pensamento se intensifica quando falamos da história da negritude no Brasil, um lugar que melhorou, mas ainda precisa evoluir muito para se tornar menos hostil aos negros.
A empreendedora Adriana Barbosa sabe disso, mas essa sabedoria veio com o tempo, com a maturidade e com suas vivências pessoais. Representando o pilar Contexto na nona temporada do Podcast Plenae, ela começa seu relato dizendo justamente que, em sua família, não haviam conversas raciais frequentes, talvez por serem dolorosas demais.
Crescida em um modelo matriarcal, foi mais uma criança vítima de uma paternidade ausente durante a infância, mas contava com sua mãe, avó e até bisavó para viver e sobreviver. Foram muitos os percalços: separação do núcleo familiar, reencontro, trabalho precoce, entre outras.
“Durante os meus primeiros anos de vida, eu morei com a minha mãe e a minha avó na casa dos patrões. Até que uma das minhas tias sugeriu me levar, pra eu ter uma vida melhor. Esse ciclo de distanciamento não era novidade na minha família. A mesma dinâmica aconteceu com a minha avó, com a minha mãe e com o meu irmão Douglas. Só o Rafael, meu irmão caçula, conviveu mais tempo com a minha mãe”, conta.
Após um período afastada de sua mãe de sua avó, Adriana retorna a São Paulo para morar com elas em uma casa comprada com o apoio dos patrões de sua avó, e posteriormente para um sobrado ainda melhor, em um bairro de classe média, mas simples comparado aos outros. Era uma clara ascensão financeira, mas também foi fruto de frustrações, pois por viver cercada de pessoas de classe média é também viver cercada de pessoas brancas e com condições financeiras melhores do que a sua.
“Apesar de não ser um bairro periférico, eu me sentia à margem o tempo todo. Na minha classe, mesmo sendo uma escola pública, só tinha mais um negro. Quando o assunto era namoro, era como se eu só pudesse ser aceita por ele. Eu nunca era escolhida para dançar nas festinhas. Não lembro de ter recebido um correio elegante numa festa junina”, conta.
Se o dinheiro apertava, sua bisavó e avó logo se mexiam para inventar e reinventar. Mesmo carecendo de estudo, o tino comercial pulsava na veia de sua família e hoje pulsa dentro dela, que acredita ter esse bom desempenho no mercado por herança quase que genética.
Aos 15, ela arranjou seu primeiro emprego e, desde então, não parou mais de trabalhar. Foi em um emprego na Rádio Gazeta que ela amadureceu ainda mais e fez amizades importantes, com outras meninas negras que validavam sua existeñcia e apresentavam para o mundo da cultura, porta de entrada para que ela compreendesse melhor o que significava ser uma mulher jovem negra.
O empoderamento que a música lhe trazia era tanto que ela passou a frequentar reuniões do movimento negro organizado e se radicalizou, ainda que momentaneamente, nessa grande epifania racial que seria tão necessária pra toda sua trajetória futura.
“Foi nessa época que eu me aproximei do meu pai. Ele e toda a minha família paterna é sambista. Meu pai é um dos fundadores do Grupo Mé Menor, e ele ajudou a construir a comunidade do Samba da Laje, uma das mais tradicionais do samba paulista. A reaproximação com o meu pai marcou também a minha aproximação com a cultura afro-brasileira”, relata.
Foi quando ela pediu demissão da Gazeta e passou a trabalhar no lugar dos seus sonhos: a gravadora Trama. Por dois anos, ela esteve nas nuvens e em contato com artistas que eram seus ídolos, mas a demissão desse mesmo lugar foi o início de uma depressão transformadora, que ela ainda não tinha dimensão na época.
“Foram as minhas amigas que me ajudaram a lidar com aquele sentimento de frustração, decepção e autopiedade. Depois de sair do banzo, o meu primeiro passo foi separar minhas roupas bacanas pra tentar vender nas ruas e feiras da cidade. Esse era o meu método de “sevirologia”, a arte de saber se virar. Minha parceira de sevirologia era a Deise Moyses, que vendia pastel na feira. Dessa experiência eu comecei a idealizar a Feira Preta, um evento pra valorizar produtos e serviços de empreendedores negros”, relembra.
A primeira edição da Feira Preta aconteceu em 2002, quando Adriana tinha 22 anos de idade. Ela e sua amiga Deise escolheram a Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, por ser um lugar aberto, bonito e acessível, e também por já ter uma cena de feiras e mercados alternativos. e uma população de jovens negros frequentes por lá.
“No dia da feira, eu pendurei faixas nas ruas para sinalizar o local, ajudei a montar as barracas e varri o chão. Junto comigo estavam minha avó, meu avô, minha mãe e meus irmãos. Eu tinha medo que ninguém aparecesse e fiquei plantada em pé, na esquina da rua Teodoro Sampaio, olhando em direção à saída do metrô Clínicas. Até que eu comecei a ver mulheres, homens e crianças com tranças, black power e cabelos alisados. Gente com pele mais ou menos retinta. Sete mil pessoas parecidas comigo lotaram a praça, numa das regiões mais ricas e brancas de São Paulo. Foi ali que o sonho começou a se tornar realidade”, diz.
A Feira Preta passou a ser realizada anualmente, tamanho o sucesso. Com muitos percalços, ela se transformou no maior evento de cultura e empreendedorismo negro na América Latina. Tem venda de roupas, acessórios, artesanato, e também muita música, bate-papos e palestras. A Feira Preta deixou de ser um evento de um único dia para se transformar num festival de programação extensa, em cidades fora de São Paulo também.
Hoje, ela tem o privilégio de encontrar propósito em todos os seus dias de trabalho. Mas, para a quantidade de coisas que ela já fez na vida, era pra ela estar muito mais rica - e fica a questão no ar: se fosse uma mulher branca, provavelmente ela estaria.
“As mulheres negras são as que mais estudam, as que mais estão dentro do mercado de trabalho informal, as que mais empreendem, mas ainda estão na base da pirâmide. Por que? Por que ainda tem tanta diferença, se nós contribuímos tanto para o desenvolvimento desse país?”, questiona-se.
Adriana enxerga-se como uma ponte, uma viabilizadora de sonhos, sem nunca esquecer que ela é soma de todas as mulheres que vieram antes dela e sustentaram sua caminhada. “Eu chamava a minha avó de sócia, porque a aposentadoria dela foi a grande financiadora da Feira Preta no início. A minha vó me ajudava até a pagar a passagem de ônibus. A forma como tomo decisões, como insisto naquilo em que acredito, como crio, busco soluções e até mesmo a minha mania de ser forte o tempo todo… Tudo isso é herança. E, por acreditar nesse legado, tenho trabalhado para transformar a sobrevivência negra em uma vida cada vez mais livre e realizada”, diz.
Você sabe reconhecer os que vieram antes e pavimentaram seu caminho? Reconhecer suas heranças é reconhecer sua própria identidade e apropriar-se dela. Saiba reconhecer também o legado negro, há mãos negras por toda a parte que tocamos, e é preciso que isso seja sempre lembrado. Ouça mais dessa história apertando o play por aqui ou no seu streaming de preferência.
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